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domingo, 7 de julho de 2013

Lumei Fidei

A Primeira Carta Encíclica do Papa Francisco
            A fé não nos separa da realidade, aliás, permite-nos captar o seu significado mais profundo e descobrir a intensidade do amor de Deus por este mundo, que orienta incessantemente  rumo a si próprio. É a mensagem central da carta encíclica Lumen fidei, a primeira do Papa Francisco, apresentada dia 5 de Julho. Uma mensagem que, como escreve o próprio Pontífice  nas primeiras páginas, resume alguns temas queridos a Bento XVI.
            O tema e motivo da carta  são de responsabilidade total do Papa Francisco, embora ele diga expresamente que assume um texto prévio do Papa Bento XVI. Como sabem os estudiosos, as encíclicas nem sempre são os papas que as escrevem, mas eles pedem um texto prévio a seus colaboradores e  introduzem modificações mais ou menos substanciais. Porém, o “segredo papal” nunca revelou esses colaboradores, os autênticos autores das encíclicas. Pois bem, pela primeira vez nos últimos tempos da Igreja um Papa diz públicamente a fonte de sua encíclica, e esta é uma novidade muito significativa. A Encíclica quem a assina é o Papa Francisco, porém quem a escreveu básicamente foi J. Ratzinger, ex-papa Benedicto XVI.
            “Estas considerações sobre a fé, diz o Papa Francisco –  em continuidade com tudo o que o magistério da Igreja pronunciou acerca desta virtude teologal – pretendem juntar-se a tudo aquilo que Bento XVI escreveu nas cartas encíclicas sobre a caridade e a esperança. Ele já tinha quase concluído um primeiro esboço desta carta encíclica sobre a fé. Estou-lhe profundamente agradecido e, na fraternidade de Cristo, assumo o seu precioso trabalho, limitando-me a acrescentar ao texto qualquer nova contribuição”. (n. 7)
            E, como observou o arcebispo Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, apresentando naquela manhã na Sala de Imprensa da Santa Sé a encíclica aos jornalistas, o primeiro elemento que sobressai da leitura do texto é que, exceto as inevitáveis “diferenças de estilo, de sensibilidade e características” é evidente “a substancial continuidade da mensagem do Papa Francisco com o magistério de Bento XVI”.
            E devido a uma significativa circunstância, no dia em que é apresentada a encíclica que,  de modo totalmente original, assinala a continuidade do magistério petrino, o Papa Francisco e Bento XVI  inauguram juntos a estátua do arcanjo são Miguel, padroeiro do Estado da Cidade do Vaticano, colocada na praça do Governadorado.
            Evidente a intenção da encíclica de responder antes de tudo a uma objeção de muitos dos nossos contemporâneos,  os quais vêem a fé como uma “luz ilusória” que impede “que o homem cultive a audácia do saber”. Mas, pouco a pouco, viu-se que “só a luz da razão não consegue iluminar  suficientemente o futuro”, que no final “permanece na sua obscuridade  e deixa o homem no medo do desconhecido”. Por isto é necessário recuperar “o significado iluminante da fé”.
         O caminho que deve ser percorrido  indicado pela encíclica é o que foi indicado pelo amor de Deus. “A fé – lê-se  – é um dom gratuito de Deus que pede a humildade e a coragem de confiar e recomendar-se, para ver o caminho luminoso do encontro entre Deus e os homens, a história da salvação”.
            Recomendo a todos que leiam essa encíclica que vem nos iluminar nessa Ano da Fé e nesse Ano do Centenário da nossa diocese de Ilhéus.
            “O que vimos e ouvimos, pela fé, nós anunciamos”.

domingo, 24 de março de 2013

CELEBRAÇÃO DO DOMINGO DE RAMOS E DA PAIXÃO DO SENHOR

Praça de São PedroXXVIII Jornada Mundial da Juventude
Domingo, 24 de março de 2013

1. Jesus entra em Jerusalém. A multidão dos discípulos acompanha-O em festa, os mantos são estendidos diante d’Ele, fala-se dos prodígios que realizou, ergue-se um grito de louvor: «Bendito seja o Rei que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!» (Lc 19, 38).
Multidão, festa, louvor, bênção, paz: respira-se um clima de alegria. Jesus despertou tantas esperanças no coração, especialmente das pessoas humildes, simples, pobres, abandonadas, pessoas que não contam aos olhos do mundo. Soube compreender as misérias humanas, mostrou o rosto misericordioso de Deus e inclinou-Se para curar o corpo e a alma.
Assim é Jesus. Assim é o seu coração, que nos vê a todos, que vê as nossas enfermidades, os nossos pecados. Grande é o amor de Jesus! E entra em Jerusalém assim com este amor que nos vê a todos. É um espectáculo lindo: cheio de luza luz do amor de Jesus, do amor do seu coração, de alegria, de festa.
No início da Missa, também nós o reproduzimos. Agitámos os nossos ramos de palmeira. Também nós acolhemos Jesus; também nós manifestamos a alegria de O acompanhar, de O sentir perto de nós, presente em nós e no nosso meio, como um amigo, como um irmão, mas também como rei, isto é, como farol luminoso da nossa vida. Jesus é Deus, mas desceu a caminhar connosco como nosso amigo, como nosso irmão; e aqui nos ilumina ao longo do caminho. E assim hoje O acolhemos. E aqui temos a primeira palavra que vos queria dizer: alegria! Nunca sejais homens e mulheres tristes: um cristão não o pode ser jamais! Nunca vos deixeis invadir pelo desânimo! A nossa alegria não nasce do facto de possuirmos muitas coisas, mas de termos encontrado uma Pessoa: Jesus, que está no meio de nós; nasce do facto de sabermos que, com Ele, nunca estamos sozinhos, mesmo nos momentos difíceis, mesmo quando o caminho da vida é confrontado com problemas e obstáculos que parecem insuperáveis… e há tantos! E nestes momentos vem o inimigo, vem o diabo, muitas vezes disfarçado de anjo, e insidiosamente nos diz a sua palavra. Não o escuteis! Sigamos Jesus! Nós acompanhamos, seguimos Jesus, mas sobretudo sabemos que Ele nos acompanha e nos carrega aos seus ombros: aqui está a nossa alegria, a esperança que devemos levar a este nosso mundo. E, por favor, não deixeis que vos roubem a esperança! Não deixeis roubar a esperança… aquela que nos dá Jesus!
2. Segunda palavra. Para que entra Jesus em Jerusalém? Ou talvez melhor: Como entra Jesus em Jerusalém? A multidão aclama-O como Rei. E Ele não Se opõe, não a manda calar (cf. Lc 19, 39-40). Mas, que tipo de Rei seria Jesus? Vejamo-Lo… Monta um jumentinho, não tem uma corte como séquito, nem está rodeado de um exército como símbolo de força. Quem O acolhe são pessoas humildes, simples, que possuem um sentido para ver em Jesus algo mais; têm o sentido da fé que diz: Este é o Salvador. Jesus não entra na Cidade Santa, para receber as honras reservadas aos reis terrenos, a quem tem poder, a quem domina; entra para ser flagelado, insultado e ultrajado, como preanuncia Isaías na Primeira Leitura (cf. Is 50, 6); entra para receber uma coroa de espinhos, uma cana, um manto de púrpura (a sua realeza será objecto de ludíbrio); entra para subir ao Calvário carregado com um madeiro. E aqui temos a segunda palavra: Cruz. Jesus entra em Jerusalém para morrer na Cruz. E é precisamente aqui que refulge o seu ser Rei segundo Deus: o seu trono real é o madeiro da Cruz! Vem-me à mente aquilo que Bento XVI dizia aos Cardeais: Vós sois príncipes, mas de um Rei crucificado. Tal é o trono de Jesus. Jesus toma-o sobre Si… Porquê a Cruz? Porque Jesus toma sobre Si o mal, a sujeira, o pecado do mundo, incluindo o nosso pecado, o pecado de todos nós, e lava-o; lava-o com o seu sangue, com a misericórdia, com o amor de Deus. Olhemos ao nosso redor… Tantas feridas infligidas pelo mal à humanidade: guerras, violências, conflitos económicos que atingem quem é mais fraco, sede de dinheiro, que depois ninguém pode levar consigo, terá de o deixar. A minha avó dizia-nos (éramos nós meninos): a mortalha não tem bolsos. Amor ao dinheiro, poder, corrupção, divisões, crimes contra a vida humana e contra a criação! E também – como bem o sabe e conhece cada um de nós - os nossos pecados pessoais: as faltas de amor e respeito para com Deus, com o próximo e com a criação inteira. E na cruz, Jesus sente todo o peso do mal e, com a força do amor de Deus, vence-o, derrota-o na sua ressurreição. Este é o bem que Jesus realiza por todos nós sobre o trono da Cruz. Abraçada com amor, a cruz de Cristo nunca leva à tristeza, mas à alegria, à alegria de sermos salvos e de realizarmos um bocadinho daquilo que Ele fez no dia da sua morte.
3. Hoje, nesta Praça, há tantos jovens. Desde há 28 anos que o Domingo de Ramos é a Jornada da Juventude! E aqui aparece a terceira palavra: jovens! Queridos jovens, vi-vos quando entráveis em procissão; imagino-vos fazendo festa ao redor de Jesus, agitando os ramos de oliveira; imagino-vos gritando o seu nome e expressando a vossa alegria por estardes com Ele! Vós tendes um parte importante na festa da fé! Vós trazeis-nos a alegria da fé e dizeis-nos que devemos viver a fé com um coração jovem, sempre: um coração jovem, mesmo aos setenta, oitenta anos! Coração jovem! Com Cristo, o coração nunca envelhece. Entretanto todos sabemos – e bem o sabeis vós – que o Rei que seguimos e nos acompanha, é muito especial: é um Rei que ama até à cruz e nos ensina a servir, a amar. E vós não tendes vergonha da sua Cruz; antes, abraçai-la, porque compreendestes que é no dom de si, no dom de si, no sair de si mesmo, que se alcança a verdadeira alegria e que com o amor de Deus Ele venceu o mal. Vós levais a Cruz peregrina por todos os continentes, pelas estradas do mundo. Levai-la, correspondendo ao convite de Jesus: «Ide e fazei discípulos entre as nações» (cf. Mt 28, 19), que é o tema da Jornada da Juventude deste ano. Levai-la para dizer a todos que, na cruz, Jesus abateu o muro da inimizade, que separa os homens e os povos, e trouxe a reconciliação e a paz. Queridos amigos, na esteira do Beato João Paulo II e de Bento XVI, também eu, desde hoje, me ponho a caminho convosco. Já estamos perto da próxima etapa desta grande peregrinação da Cruz. Olho com alegria para o próximo mês de Julho, no Rio de Janeiro. Vinde! Encontramo-nos naquela grande cidade do Brasil! Preparai-vos bem, sobretudo espiritualmente, nas vossas comunidades, para que o referido Encontro seja um sinal de fé para o mundo inteiro. Os jovens devem dizer ao mundo: é bom seguir Jesus; é bom andar com Jesus; é boa a mensagem de Jesus; é bom sair de nós mesmos para levar Jesus às periferias do mundo e da existência. Três palavras: alegria, cruz, jovens.
Peçamos a intercessão da Virgem Maria. Que Ela nos ensine a alegria do encontro com Cristo, o amor com que O devemos contemplar ao pé da cruz, o entusiasmo do coração jovem com que O devemos seguir nesta Semana Santa e por toda a nossa vida. Assim seja.

HOMILIA DO SANTO PADRE FRANCISCO

CRUCIFICADO ESCÂNDALO E LOUCURA

Os Primeiros Cristãos sabiam. Sua fé num Deus crucificado só podia ser vista como um escândalo e uma loucura. disso. Quem teve a ideia de dizer algo tão absurdo e horrendo de Deus? Nunca religião alguma se atreveu a confessar algo semelhante.
            Sem dúvida, a primeira coisa que todos nós descobrimos no Crucificado do Gólgota, torturado injustamente até à morte pelas autoridades religiosas e pelo poder político, é a força destruidora do mal, a crueldade do ódio e o fanatismo da justiça. Mas, precisamente ali, nessa vítima inocente, nós, seguidores de Jesus, vemos Deus identificado com todas as vítimas de todos os tempos.
            Despojado de todo poder dominador, de toda beleza estética, de todo êxito político e de toda auréola religiosa, Deus se nos revela, no mais puro e insondável de seu mistério, como amor e somente amor. Por isso padece conosco, sofre nossos sofrimentos e morre nossa morte.
            Este Deus crucificado não é o Deus poderoso e controlador, que trata de submeter seus filhos e filhas buscando sempre sua glória e honra. É um Deus humilde e paciente, que respeita até o fim nossa liberdade, mesmo que nós abusemos sempre de novo de seu amor. Ele prefere ser vítima de suas criaturas a ser seu verdugo.
            Este Deus crucificado não é tampouco o Deus justiceiro, ressentido e vingativo, que ainda continua perturbando a consciência de não poucos crentes. Deus não responde ao mal com o mal. "Em Cristo está Deus, não levando em conta as transgressões dos seres humanos, mas reconciliando o mundo consigo" (2Cor 5,19). Enquanto nós falamos de méritos, culpas ou direitos adquiridos, Deus está nos acolhendo a todos com seu amor insondável e seu perdão.
            Este Deus crucificado se revela hoje em todas as vítimas inocentes. Está na cruz do Calvário e está em todas as cruzes onde sofrem e morrem os mais inocentes: as crianças famintas e as mulheres maltratadas, os torturados pelos verdugos do poder, os explorados por nosso bem-estar, os esquecidos por nossa religião.
            Nós cristãos continuamos celebrando o Deus crucificado, para não esquecer nunca o "amor louco" de Deus pela humanidade e para manter viva a lembrança de todos os crucificados. Ê um escândalo e uma loucura. No entanto, para nós que seguimos a Jesus e cremos no mistério redentor que se encerra em sua morte, é a força que sustenta nossa esperança e nossa luta por um mundo mais humano.

O QUE FAZ DEUS NUMA CRUZ?
            De acordo com o relato evangélico, os que passam diante de Jesus crucificado sobre a colina do Gólgota zombam dele e, rindo de sua impotência, lhe dizem: "Se és Filho de Deus, desce da cruz': Jesus não responde à provocação. Sua resposta é um silêncio carregado de mistério. Precisamente porque Ele é Filho de Deus, permanecerá na cruz até sua morte.
            As perguntas são inevitáveis: Como é possível crer num Deus crucificado pelos seres humanos? Damo-nos conta do que estamos dizendo? O que faz Deus numa cruz? Como pode subsistir uma religião fundada numa concepção tão absurda de Deus?
            Um "Deus crucificado" constitui uma revolução e um escândalo que nos obriga a questionar todas as ideias que nós, os seres humanos, nos fazemos da divindade. O Crucificado não tem o rosto nem os traços que as religiões atribuem ao Ser supremo.
            O "Deus crucificado" não é um ser onipotente e majestoso, imutável e feliz, alheio ao sofrimento dos seres humanos, mas um Deus impotente e humilhado, que sofre conosco a dor, a angústia e até a própria morte. Com a cruz, ou termina nossa fé em Deus ou nos abrimos a uma compreensão nova e surpreendente de um Deus que, encarnado em nosso sofrimento, nos ama de maneira incrível.
            Diante do Crucificado começamos a intuir que Deus, em seu mistério último, é alguém que sofre conosco. Nossa miséria o afeta. Nosso sofrimento o salpica. Não existe um Deus cuja vida transcorre, por assim dizer, à margem de nossas penas, lágrimas e desgraças. Ele está em todos os Calvários de nosso mundo.
            Este "Deus crucificado" não permite uma fé frívola e egoísta num Deus posto a serviço de nossos caprichos e pretensões. Este Deus nos coloca olhando para o sofrimento e o abandono de tantas vítimas da injustiça e das desgraças. Com este Deus nos encontramos quando nos aproximamos de qualquer crucificado.
            Nós cristãos continuamos dando todo tipo de rodeios para não topar com o "Deus crucificado". Aprendemos, inclusive, a levantar nosso olhar para a cruz do Senhor, desviando-o dos crucificados que estão diante de nossos olhos. No entanto, a maneira mais autêntica de celebrar a paixão do Senhor é reavivar nossa compaixão para com os que sofrem. Sem isto, dilui-se nossa fé no "Deus crucificado" e abre-se a porta a todo tipo de manipulações.

DEUS NÃO É UM SÁDICO
            Não são poucos os cristãos que entendem a morte de Jesus na cruz como uma espécie de "negociação" entre Deus Pai e seu Filho. Segundo esta maneira de entender a crucifixão, o Pai, justamente ofendido pelo pecado dos seres humanos, exige para salvá-los uma reparação, que o Filho lhe oferece entregando sua vida por nós.
            Se fosse assim, as consequências seriam gravíssimas. A imagem de Deus Pai ficaria radicalmente pervertida, porque Deus seria um ser justiceiro, incapaz de perdoar gratuitamente; uma espécie de credor implacável, que não pode salvar-nos se não for saldada previamente a dívida contraída com Ele. Seria difícil evitar a ideia de um Deus "sádico': que encontra no sofrimento e no sangue um "prazer especial", algo que lhe agrada de maneira particular e o leva a mudar de atitude para com suas criaturas.
            Esta maneira de apresentar a cruz de Cristo exige uma profunda revisão. Na fé dos primeiros cristãos, Deus não aparece como alguém que exige previamente sangue para que sua honra fique satisfeita, e Ele possa assim perdoar. Pelo contrário, Deus envia seu Filho somente por amor e oferece a salvação quando ainda éramos pecadores. Jesus, por sua vez, não aparece nunca procurando influir sobre o Pai com seu sofrimento, a fim de compen­sá-lo e assim obter dele uma atitude mais benévola para com a humanidade.
            Então, quem quis a cruz e por quê? Certamente não o Pai, que não quer que se cometa crime algum, e menos ainda contra seu Filho amado, e sim os seres humanos, que rejeitam Jesus e não aceitam que Ele introduza no mundo um reinado de justiça, de verdade e de fraternidade. O que o Pai quer não é que matem seu Filho, mas que seu Filho viva seu amor ao ser humano até às últimas consequências.
            Deus não pode evitar a crucifixão, porque para isso deveria destruir a liberdade dos seres humanos e negar-se a si mesmo como Amor. O Pai não quer o sofrimento e o sangue, mas não se detém nem sequer diante da tragédia da cruz e aceita o sacrifício de seu Filho querido unicamente por amor insondável para conosco. Assim é Deus.

MORREU COMO HAVIA VIVIDO
            Como viveu Jesus suas últimas horas? Qual foi sua atitude no momento
da execução? Os evangelhos não se detêm a analisar seus sentimentos. Simplesmente lembram que Jesus morreu como havia vivido. Lucas, por exemplo, quis destacar a bondade de Jesus até o final, sua proximidade aos que sofrem e sua capacidade de perdoar. De acordo com seu relato, Jesus morreu amando.
            No meio da multidão que observa a passagem dos condenados a caminho da cruz, algumas mulheres se aproximam de Jesus chorando. Não podem vê-lo sofrer assim. Jesus "volta-se para elas" e as olha com a mesma ternura com que as havia olhado sempre: "Não choreis por mim, chorai por vós e por vossos filhos". Assim caminha Jesus para a cruz: pensando mais naquelas pobres mães do que em seu próprio sofrimento.
            Faltam poucas horas para o final. Da cruz só se ouvem os insultos de alguns e os gritos de dor dos justiçados. De repente, um deles se dirige a Jesus: "Lembra-te de mim': A resposta de Jesus é imediata: "Asseguro-te: hoje estarás comigo no paraíso': Ele sempre fez a mesma coisa: suprimir medos, infundir confiança em Deus, transmitir esperança. E continua fazendo isso até o final.
            O momento da crucifixão é inesquecível. Enquanto os soldados o vão pregando no madeiro, Jesus diz: "Pai, perdoai-Ihes, porque não sabem o que estão fazendo': ssim é Jesus. Assim viveu sempre: oferecendo aos pecadores o perdão do Pai, mesmo que não o mereçam. De acordo com Lucas, Jesus morre pedindo ao Pai que continue abençoando os que o crucificam, que continue oferecendo seu amor, seu perdão e sua paz a todos, inclusive aos que o estão matando.
            Não é estranho que Paulo de Tarso convide os cristãos de Corinto a descobrir o mistério que se encerra no Crucificado: "Em Cristo Deus não está levando em conta as transgressões dos seres humanos, mas reconciliando o mundo consigo". Assim está Deus na cruz: não nos acusando de nossos pecados, mas oferecendo-nos seu perdão.

COM OS CRUCIFICADOS
        O mundo está cheio de igrejas cristãs presididas pela imagem do Crucificado, e está cheio também de pessoas que sofrem, crucificadas pela desgraça, pelas injustiças e pelo esquecimento: doentes privados de cuidado, mulheres maltratadas, anciãos ignorados, meninos e meninas violentados, emigrantes sem documentos nem futuro. E gente, muita gente afundada na fome e na miséria no mundo inteiro.
            É difícil imaginar um símbolo mais carregado de esperança do que essa cruz plantada pelos cristãos em toda parte: "memória" comovente de um Deus crucificado e lembrança permanente de sua identificação com todos os inocentes que sofrem de maneira injusta em nosso mundo.
            Essa cruz, erguida entre as nossas cruzes, nos lembra que Deus sofre conosco. Deus se condói da fome das crianças de Calcutá, sofre com os assassinados e torturados do Iraque, chora com as mulheres maltratadas diariamente em seu lar. Não sabemos explicar a raiz última de tanto mal. E, mesmo que o soubéssemos, não nos adiantaria muito. Só sabemos que Deus sofre conosco. Não estamos sós.
            Mas os símbolos mais sublimes podem ficar pervertidos se não recuperarmos sempre de novo seu verdadeiro conteúdo. O que significa a imagem do Crucificado, tão presente entre nós, se não vemos marcados em seu rosto o sofrimento, a solidão, a tortura e a desolação de tantos filhos e filhas de Deus?
            Que sentido tem trazer uma cruz sobre nosso peito se não sabemos carregar a mais pequena cruz de tantas pessoas que sofrem junto a nós? O que significam nossos beijos no crucificado se não despertam em nós o carinho, a acolhida e a aproximação aos que vivem crucificados?
            O Crucificado desmascara como ninguém nossas mentiras e covardias. A partir do silêncio da cruz, Ele é o juiz firme e manso do aburguesamento de nossa fé, de nossa acomodação ao bem-estar e de nossa indiferen­ça diante dos que sofrem. Para adorar o mistério de um Deus crucificado não basta celebrar a Semana Santa; é necessário, além disso, aproximar-nos mais dos crucificados, semana após semana.

(Pagola, José Antonio, O caminho aberto por Jesus, Vozes, v2012, p.341-347)

sexta-feira, 15 de março de 2013

PRIMEIRA HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

SANTA MISSA COM OS CARDEAIS

Vejo que estas três Leituras têm algo em comum: é o movimento. Na primeira Leitura, o movimento no caminho; na segunda Leitura, o movimento na edificação da Igreja; na terceira, no Evangelho, o movimento na confissão. Caminhar, edificar, confessar.
Caminhar. «Vinde, Casa de Jacob! Caminhemos à luz do Senhor» (Is 2, 5). Trata-se da primeira coisa que Deus disse a Abraão: caminha na minha presença e sê irrepreensível. Caminhar: a nossa vida é um caminho e, quando nos detemos, está errado. Caminhar sempre, na presença do Senhor, à luz do Senhor, procurando viver com aquela irrepreensibilidade que Deus pedia a Abraão, na sua promessa.
Edificar. Edificar a Igreja. Fala-se de pedras: as pedras têm consistência; mas pedras vivas, pedras ungidas pelo Espírito Santo. Edificar a Igreja, a Esposa de Cristo, sobre aquela pedra angular que é o próprio Senhor. Aqui temos outro movimento da nossa vida: edificar.
Terceiro, confessar. Podemos caminhar o que quisermos, podemos edificar um monte de coisas, mas se não confessarmos Jesus Cristo, está errado. Tornar-nos-emos uma ONG sócio-caritativa, mas não a Igreja, Esposa do Senhor. Quando não se caminha, ficamos parados. Quando não se edifica sobre as pedras, que acontece? Acontece o mesmo que às crianças na praia quando fazem castelos de areia: tudo se desmorona, não tem consistência. Quando não se confessa Jesus Cristo, faz-me pensar nesta frase de Léon Bloy: «Quem não reza ao Senhor, reza ao diabo». Quando não confessa Jesus Cristo, confessa o mundanismo do diabo, o mundanismo do demónio.
Caminhar, edificar-construir, confessar. Mas a realidade não é tão fácil, porque às vezes, quando se caminha, constrói ou confessa, sentem-se abalos, há movimentos que não são os movimentos próprios do caminho, mas movimentos que nos puxam para trás.
Este Evangelho continua com uma situação especial. O próprio Pedro que confessou Jesus Cristo com estas palavras: Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo, diz-lhe: Eu sigo-Te, mas de Cruz não se fala. Isso não vem a propósito. Sigo-Te com outras possibilidades, sem a Cruz. Quando caminhamos sem a Cruz, edificamos sem a Cruz ou confessamos um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor.
Eu queria que, depois destes dias de graça, todos nós tivéssemos a coragem, sim a coragem, de caminhar na presença do Senhor, com a Cruz do Senhor; de edificar a Igreja sobre o sangue do Senhor, que é derramado na Cruz; e de confessar como nossa única glória Cristo Crucificado. E assim a Igreja vai para diante.
Faço votos de que, pela intercessão de Maria, nossa Mãe, o Espírito Santo conceda a todos nós esta graça: caminhar, edificar, confessar Jesus Cristo Crucificado. Assim seja.

Capela Sistina
Quinta-feira, 14 de março de 2013

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''É mais cômodo ser coroinha que protagonista''

Despedida do cardeal Bergoglio dos bispos argentinos
O cardeal Bergoglio se despede da presidência
BUENOS AIRES, quarta-feira, 9 de novembro de 2011 (ZENIT.org) - O cardeal Jorge Bergoglio se despediu da presidência do episcopado argentino com uma longa entrevista. Ele repassa a situação da Igreja, afirma que os leigos correm o risco da “clericalização” e diz que é mais fácil ser coroinha que protagonista.
Sobre Buenos Aires, Bergoglio afirma, na entrevista concedida à agência AICA, que muitas coisas ainda precisam ser feitas: “Temos que continuar caminhando e ir fazendo aos poucos. Esta é uma cidade que de noite tem três milhões de habitantes e de dia tem oito”.
O cardeal abordava a pastoral urbana e o congresso realizado no final de agosto na região de Buenos Aires, que “nos fez muito bem”. “Ele nos fez enxergar que o monocultural não existe. Diziam no congresso que existem seis ou sete cidades imaginárias em Buenos Aires. O grande esforço não é só de enculturação, que sempre tem que ser feito, mas de compreender as linguagens que vão surgindo, que são totalmente diferentes. Aparecida tem algumas considerações muito fortes sobre a pastoral urbana”.
Como ele vê os leigos na Argentina? “Há um problema, eu disse outras vezes: a tentação da clericalização. Nós, os padres, tendemos a clericalizar os leigos. Não nos damos conta, mas é como contagiá-los com o nosso estilo. E os leigos, não todos, mas muitos, nos pedem de joelhos para clericalizá-los, porque é mais cômodo ser coroinha do que ser protagonista de um caminho leigo. Não podemos cair nessa armadilha, é uma cumplicidade pecadora. Nem clericalizar, nem pedir para ser clericalizado. O leigo é leigo e tem que viver como leigo com a força do batismo, que o habilita para ser fermento do amor de Deus na própria sociedade, para criar e semear esperança, para proclamar a fé, não de cima de um púlpito, mas a partir da vida cotidiana. E carregando a sua cruz de cada dia, como todo mundo. E a cruz do leigo, não a do padre. A do padre, o padre que carregue, que Deus deu ombro suficiente para o padre carregá-la”.
O que Bergoglio pensa do conceito do papa Bento XVI, que fala da "beleza tecnológica"?
“Sim, as instituições eclesiásticas sempre ressaltaram mais a categoria ‘verdade’ do que a ‘bondade’ e a ‘beleza’. A comunicação exige as três. Comunicar-se é dizer uma coisa que você entende que é verdade, e dizê-la com bondade e com beleza. As três juntas. As instituições eclesiásticas ainda não desenvolveram, em particular, a dimensão da beleza. Eu acredito que nós temos que trabalhar muito nisso. A beleza na mensagem, na transmissão, a vida, mesmo, a captação das coisas, as coisas são verdadeiras, boas e belas. E se falta alguma coisa, falta algo das três. Uma verdade que não é boa acaba sendo uma bondade que não é verdadeira. Elas caminham juntas. O mesmo vale para a beleza. A relação tem que ir por esse caminho. E nós temos que fazer um esforço para que isso amadureça e progrida”. Neste ponto, Bergoglio recomenda a leitura do documento conciliar Inter Mirifica, sobre os meios de comunicação social.
Qual é a sua visão do CELAM? “Ele cresceu, está amadurecendo. De algo meramente funcional, porque tinha que ser assim quando começou, ele se transformou em algo inspirador. A última Conferência do Episcopado, em Aparecida, é mais fermento de inspiração do que uma ação funcional. É um chamado à criatividade, define linhas missionais, não termina com um documento, como as conferências anteriores, mas com uma missão. Isso é muito importante”.
Sobre Aparecida, suas luzes, suas sombras, ele afirma: “A inspiração do Espírito é a grande luz que aconteceu ali. Sombras são as mil e uma coisinhas que travavam e que nós tivemos que superar. Mas eu não me atreveria a dizer que a maior luz foi esta. Acredito que tudo foi um complexo de luzes e sombras e que a luz venceu. É a primeira conferência geral do episcopado que foi feita em um santuário mariano que tem capacidade para 35.000 pessoas. Todos os dias, nós concelebrávamos, os duzentos e tantos bispos, com o povo. Nos dias de semana vinha pouquinha gente: duzentas, trezentas pessoas, pouquinhas… Sábado e domingo, trinta mil. E as sessões eram embaixo do santuário, em instalações que existem lá para os peregrinos. Então a nossa música de fundo eram os cantos do santuário. A voz do povo de Deus. Essa foi uma das grandes luzes de Aparecida: o povo de Deus envolvido na conferência, em um santuário mariano, a casa da Mãe”.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Uma Bela Surpresa



O novo papa Francisco, nome quase inesperado, figura modesta e simpática, o pedido para que o povo o abençoasse: começa um novo capítulo da história do governo da Igreja Católica.
Os primeiros sinais indicativos.
O nome Francisco evoca: São Francisco de Assis, que andava de sandálias, pobre, e conversava com o lobo e os passarinhos, e São Francisco Xavier, companheiro de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus – os Jesuítas –, que dedicou sua vida à evangelização da Ásia, da Índia ao Japão, e que morreu na China. Este é um primeiro sinal, uma indicação de seu modo de ser e de sua missão: despojado, simples, missionário encarregado de levar o Evangelho a todos os povos. Os jesuítas são um exército de especialistas com história consolidada e excelentes estruturas para dar todo tipo de apoio necessário à missão que deverá cumprir.
Outro sinal: a imagem que irradiou do balcão da basílica de São Pedro: ele disse que assumia a diocese de Roma como seu bispo. Dirigiu-se antes ao povo romano como interlocutor preferencial na praça à sua frente. Ele não é papa que também é bispo de Roma. É o contrário: é bispo de Roma e por isso é o primeiro entre os demais bispos, que nós chamamos de Papa. Do ponto de vista da compreensão teológica, da legitimidade do encargo pontifício, este é o caminho certo. Isso aponta para o governo colegial de todos os bispos, um clamor de muitas vozes na Igreja depois do concílio Vaticano II. Esta visão facilita também o diálogo ecumênico com as demais igrejas cristãs.
Por fim, o terceiro e comovente sinal, além da saudação espontânea, foi o pedido de bênção – que o povo rezasse por ele e o abençoasse, inclinando-se – antes de ele mesmo abençoar. Em sua primeira fala, há um tratamento no pronome “nós” que tem grande significado para este tempo de participação, um modo de falar de democracia na Igreja. A sua despedida: “Nós nos veremos em breve, rezem por mim e tenham uma boa noite!” nos acalenta e conforta.
São apenas alguns sinais muito iniciais, que nos permitem visualizar como poderá ser seu pontificado. Sua vida em Buenos Aires, uma vida simples que se servia dos meios públicos de transporte e preparava a própria comida, nos dá esperança que ele tenha competência e energia para a tarefa firme da reforma sugerida por Bento XVI.  

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

NOTA EM VISTA DA RENÚNCIA DO SANTO PADRE

Em vista da renúncia do Santo Padre, o Papa Bento XVI, ao seu ministério de Bispo de Roma, sucessor de São Pedro, eu, Dom Mauro Montagnoli, bispo diocesano de Ilhéus, dou algumas orientações práticas, para os sacerdotes e para o povo fiel, referentes aos períodos seguintes:

1. Período da Sé Vacante:
            Durante a Sé vacante, e especialmente durante o Conclave, recomendo instantemente que todas as comunidades façam orações e súplicas pela eleição do novo Romano Pontífice. Para tanto, pode ser tomado o formulário da missa “Pela eleição do Papa” (no Missal Romano em “missas e orações para diversas necessidades”).
            Considerando a utilidade pastoral, esta missa pode ser celebrada nos dias de semana da Quaresma, mas não nos domingos. Os sacerdotes saberão discernir sobre a oportunidade e sobre o uso moderado deste formulário no tempo da Quaresma.
Durante a Sé Vacante, na Oração Eucarística deverá ser mencionado apenas o nome do bispo.

2. Período posterior à eleição do novo Romano Pontífice:
            Anunciada a eleição do novo Romano Pontífice, sejam tocados, onde for possível, os sinos das igrejas, como manifestação de júbilo e acolhida ao novo pastor supremo.
            No período da Sé Vacante, a celebração diocesana “Pela eleição do Papa” será na Catedral, em Ilhéus, às 18 horas no dia 05 de março de 2013 . As paróquias façam sua programação própria.
            Anunciada a eleição do novo Romano Pontífice, igualmente, será divulgada a data da celebração diocesana de ação de graças. Do mesmo modo, as paróquias programarão suas celebrações.

Como Devem ser Proclamadas as Intercessões nas Orações Eucarísticas I, II e III

Na Oração Eucarística I:
            Nós as oferecemos pela vossa Igreja santa e católica: concedei-lhe paz e proteção, unindo-a num só corpo e governando-a por toda a terra. Nós as oferecemos também por nosso bispo Mauro e por todos os que guardam a fé que receberam dos apóstolos.
Na Oração Eucarística II:
            Lembrai-vos, ó Pai, da vossa Igreja que se faz presente pelo mundo inteiro: que ela cresça na caridade, com o nosso bispo Mauro e todos os ministros do vosso povo.
Na Oração Eucarística III:
            E agora, nós vos suplicamos, ó Pai, que este sacrifício da nossa reconciliação estenda a paz e a salvação ao mundo inteiro. Confirmai na fé e na caridade a vossa Igreja, enquanto caminha neste mundo: o nosso bispo Mauro, com os bispos do mundo inteiro, o clero e todo o povo que conquistastes.